sexta-feira, 9 de maio de 2008

Envelhecimento: o segredo da telomerização




Rui Zambujal

Uma versão mais curta deste artigo foi publicada no semanário Expresso, a 9 de Junho de 2007, na página 53 do caderno principal (página de opinião), com o título "Luta Contra o Envelhecimento".


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Foi um momento de iluminação na investigação sobre envelhecimento a descoberta de que os relógios biológicos das nossas células residem nos telómeros, as extremidades dos cromossomas. Em cada divisão celular estas estruturas perdem um pouco do seu comprimento, e esse encurtamento progressivo, a partir de um certo momento, provoca a alteração da expressão dos genes para um estado envelhecido; é aí que a célula deixa de se dividir e morre. Pelo menos ao nível celular estava descoberta a origem do envelhecimento.

Desde esse momento, os investigadores têm determinado que a diminuição do comprimento dos telómeros tem importância fulcral em muitos processos degenerativos humanos, como as doenças cardiovasculares, a osteoporose, a atrofia (envelhecimento) da pele e o Sindroma de Werner (uma doença de envelhecimento acelerado), por exemplo.

E parece ter chegado finalmente a hora da aplicação prática destas observações. Até agora, apenas era utilizada a introdução do gene da telomerase (a enzima que alonga os telómeros) em células envelhecidas, resultando num rejuvenescimento dos tecidos. Para além disso, há pequenas moléculas capazes de fazer uma modesta telomerização (alongamento dos telómeros). Por exemplo, a Geron Corporation (uma companhia americana), que é uma das empresas mais activas na investigação dos telómeros, comunicou recentemente que conseguia uma diminuição de 2 a 5 vezes na carga viral de VIH em culturas de células de doentes de SIDA, através do uso de uma molécula (TAT0002) que estimula a acção da telomerase. Os linfócitos T CD8+ do sistema imunitário, devido a sua superactividade no combate ao vírus, encontram-se envelhecidos e sem capacidade replicativa (os telómeros de um doente de SIDA com 40 anos, nessas células, são comparáveis aos de uma pessoa de 90 anos) ; a molécula da Geron renova-os.

Mas uma nova empresa, a Telomolecular Corporation (também americana), está a desenvolver dois novos métodos de alongamento de telómeros: usando a própria telomerase e através de moléculas de ADN chamadas nanocírculos. Estas duas moléculas serão entregues no interior do núcleo de cada célula utilizando uma tecnologia com o nome de nanopartículas PLGA: Poly (Lactic-co-Glycolic Acid). A tecnologia PLGA (mais precisamente, uma técnica mais especifica chamada ELMD1) é uma tecnologia já bastante desenvolvida e aprovada pela FDA americana (a agência reguladora dos medicamentos). As nanopartículas PLGA não são tóxicas, não provocam reacção imunitária, são biodegradáveis e atravessam a barreira hematoencefálica, sendo um veículo ideal para o aporte de moléculas demasiado grandes para serem transportadas por outras técnicas.

Os nanocírculos foram desenvolvidos por uma equipa da Universidade de Stanford liderada por Eric T. Kool, e consistem em círculos de ADN complementares à sequência TTAGGG (a sequência de letras do código genético que se repete nos telómeros). Já se demonstrou em culturas de células serem capazes de rejuvenescer tecidos envelhecidos, servindo como molde para o alongamento dos telómeros.

No futuro próximo a Telomolecular promete ter uma ovelha telomerizada, à qual pretendem chamar Dolly II em homenagem à ovelha clonada Dolly, que tinha os telómeros excessivamente curtos. Vamos ver.[Actualização de 03 de Julho de 2010: a Telomolecular já não existe. As suas patentes foram vendidas a uma empresa londrina chamada RCP Therapeutics, que leva uma vida muito discreta]

Quão promissora pode ser esta nova tecnologia? Poderemos encarar seriamente uma verdadeira promessa de rejuvenescimento? Os dados que se têm acumulado desde 1998 são muito promissores. Em Janeiro de 1998 a revista Science publicou um artigo em que se descrevia como células humanas normais, que têm uma esperança de vida limitada a entre 50 e 70 divisões (ao contrário das células do cancro, que se dividem sem limite), se tornavam imortais sem se tornarem cancerosas através da introdução do gene da telomerase. As células rejuvenescidas mantêm-se perfeitamente jovens (produzem os antioxidantes catalase, superóxido dismutase, glutationa peroxidase e outras proteínas em quantidades típicas de células jovens) e sem qualquer sinal de anormalidade (têm um numero normal de cromossomas, por exemplo). Estas experiências, originalmente da autoria de Calvin Harley, da Geron Corporation, e de Woodring Wright e Jerry Shay, do Southwestern Medical Center da Universidade do Texas (e respectivos colaboradores) foram repetidas mais de 800 vezes em muitas universidades e empresas. E as experiências foram feitas em células importantes para processos patológicos humanos, como células endoteliais (do endotélio dos vasos sanguíneos, importantes na aterosclerose), células do epitélio pigmentar da retina (na origem da degeneração macular, que leva á perda de visão), e fibroblastos (importantes no envelhecimento da pele e outros tecidos).

Mais recentemente (estudo publicado em 2003 no The Lancet) uma equipa liderada por Richard M. Cawthon mediu os telómeros em células do sangue de 143 adultos com mais de 60 anos. Descobriu que os que pertenciam ao grupo de 50% com maiores telómeros viviam 4 a 5 anos mais (4.8 anos mais para as mulheres e 4 anos para os homens) que os pertencentes aos 50% com menores telómeros. Observou-se neste último grupo uma taxa de mortalidade 3 vezes maior para doenças cardiovasculares. Os 25% com menores telómeros tinham uma taxa de mortalidade 8 vezes maior para doenças infecciosas que os 75% com maiores telómeros.

Também em 2003, na Neurobiology of Aging, investigadores descobriram a existência de uma forte correlação negativa entre o tamanho dos telómeros nos linfócitos T e o nível de declínio mental em doentes de Alzheimer: quanto mais curtos eram os telómeros dos linfócitos pior era a condição mental dos doentes. O comprimento dos telómeros nos linfócitos T estava também inversamente correlacionado com os níveis plasmáticos da proteína inflamatória citoquina TNFalfa. Os investigadores especularam que poderia haver uma componente imunológica na doença de Alzheimer.

Mais proximamente, em Maio de 2005, na revista Circulation, investigadores revelaram que a perda de telómero em células imunitárias está correlacionada com o aumento da resistência à insulina, uma condição associada às doenças cardiovasculares e a uma morte mais precoce, além de mais gordura corporal.

Finalmente, um curioso modelo animal: em Abril de 2000, num artigo publicado na Science, Robert Lanza e colaboradores revelaram que vacas clonadas usando uma técnica que aumenta o comprimento dos telómeros demonstravam uma muito maior juventude celular quando comparadas com vacas normais da mesma idade: as suas células dividiram-se em cultura mais de 90 vezes, limite muito superior ao limite normal (50 a 60 vezes). Os investigadores afirmam que estas vacas telomerizadas poderão viver mais 50% que a sua esperança de vida normal.

Segundo a Telomolecular já há aplicações comerciais das tecnologias da telomerização: na Universidade de Tennessee-Memphis produzem-se novas córneas a partir de células de córnea velhas, algo impossível de se fazer sem telomerização pois as células originais não se dividiriam em número suficiente; e uma companhia holandesa produz enxertos de pele para queimados.

Que fazer para ganhar tempo enquanto estas tecnologias não estão prontas? A Telomolecular pretende desenvolver, para os tempos mais imediatos, produtos cosméticos para a pele e couro cabeludo: a razão é que os processos legais de licenciamento são muito mais simples para esses produtos. As experiências em cultura de tecidos revelam que células da pele (fibroblastos) modificadas para produzir telomerase secretam níveis muito superiores de colágeno, restaurando a elasticidade cutânea de um modelo de pele envelhecida. Estas experiências, de cientistas da Geron Corporation e da Universidade de Stanford, foram publicadas em Agosto de 2000 na revista Experimental Cell Research. Entretanto, os produtos dirigidos às doenças degenerativas e ao envelhecimento em geral terão que passar por processos regulatórios muito mais longos.

Mas há algo que se pode fazer para atrasar o encurtamento dos nossos telómeros, enquanto se espera. Num número completamente dedicado à biologia do envelhecimento dos Annals of the New York Academy of Sciences (Abril de 2002), cientistas do Reino Unido (Thomas von Zglinicki e a sua colaboradora Gabriele Saretzki) concluiram que o ritmo de encurtamento dos telómeros está dependente do stress oxidativo: quanto menores forem as defesas antioxidantes de uma célula mais rapidamente se “gastam” os telómeros. Portanto, a estratégia é simples: é tomar os seus antioxidantes (vitaminas e minerais, e outros antioxidantes como o resveratrol [actualização 30/03/2013: resveratrol descontinuado, devido a maus resultados], a coenzima Q10 [o ubiquinol é preferível], o extracto de semente de uva ou o ácido alfa lipóico), e fazer uma alimentação o mais antioxidante possível. É (muito?) possível que esse pequeno esforço extra tenha um retorno potencial de muitos anos de vida.


Nota: existe um processo em química orgânica chamado telomerização, mas neste artigo referimo-nos a uma telomerização biológica e não química, como é claro.

Link: http://divulgarciencia.com/ (Blogs de Ciência)